Um aventureiro em Botafogo

Um aventureiro em Botafogo

A rua Hans Staden – transversal à rua Real Grandeza, em Botafogo – homenageia um aventureiro e mercenário alemão, que lutou, no século 16, contra invasores franceses – e seus aliados, os tupinambás –, quando o nosso país era uma jovem e desconhecida colônia de Portugal. Capturado por índios canibais, Staden aprendeu a língua deles e viveu para escrever um dos primeiros e mais fascinantes relatos sobre os primeiros anos do Brasil.

Não era incomum a coroa portuguesa fazer uso de mercenários para conquistar ou defender suas colônias ultramarinas, quando Portugal era a maior potência militar do mundo. O alemão Hans Staden (1525-1576) se qualificava para o trabalho. Possuía experiência profissional – lutara na Guerra de Schmalkaldischen, uma das primeiras guerras religiosas entre protestantes e católicos –; era um “Büchsenschütze” – atirador de arma de fogo longa, bastante requisitado em uma época em que armas de fogo eram novidade –; e tinha espírito aventureiro.

Em sua primeira viagem ao Brasil, em 1548, Staden fez parte de uma expedição cujo objetivo principal era recolher o pau-brasil, mas aproveitava para transportar degredados portugueses para a nova colônia e ainda combater navios franceses que teimassem em negociar por fora com nativos ou degredados. Quando a expedição chegou à capitania de Pernambuco, em 28 de janeiro de 1548, o governador Duarte da Costa enfrentava uma revolta indígena. A expedição de Hans Staden rumou para Igaraçu, próximo a Olinda, que era defendida por apenas 120 pessoas, contra oito mil índios. Depois de muita luta e de submeterem os luso-brasileiros a um cerco –, os índios partiram em retirada. A expedição de Hans Staden ainda entrou em combate contra um navio francês antes de retornar a Portugal, no dia 8 de outubro do mesmo ano.

Prisioneiro de canibais

Hans Staden retornou à América do Sul no ano seguinte, dessa vez a serviço de um navio espanhol que rumava para Assunção, no Paraguai. Quis o destino, porém, que Hans Staden ficasse no Brasil. A embarcação naufragou na costa de Santa Catarina, e Staden e outros sobreviventes da expedição por lá ficaram durante cerca de dois anos. Staden, então, rumou para a vila de São Vicente, no litoral paulista. Antes de chegar ao destino, ocorreu um novo naufrágio, dessa vez perto de Itanhaém, já na costa de São Paulo. Staden nadou até a praia e, de lá, seguiu a pé até São Vicente, onde foi contratado como artilheiro para defender o Forte de São Felipe da Bertioga.

Certo dia, enquanto caçava sozinho longe do forte, Staden foi capturado por índios tupinambás, que o levaram para a aldeia de Ubatuba. Prestes a virar banquete, novamente a sorte sorriu ao aventureiro. Obrigado a lutar para defender a aldeia de um ataque de índios rivais tupiniquins, Staden se saiu bem na batalha e foi poupado pelos “anfitriões”.

Durante cerca de nove meses, Staden permaneceu cativo dos tupinambás. Aprendeu a língua e os costumes deles, como o da prática de canibalismo. Em seus relatos de viagem, mais tarde transformados em livro, Staden foi preciso nos detalhes:

“Voltando da guerra, trouxeram prisioneiros. Levaram-nos para sua cabana: mas a muitos feridos desembarcaram e os mataram logo, cortando-os em pedaços, e assaram a carne (…) Um era português (…) O outro chamava-se Hyeronimus; este foi assado de noite.”

Staden foi, enfim, resgatado por um navio corsário francês e viveu para contar suas aventuras. Elas viraram livro com o título sensacionalista – e prolixo – de “História verdadeira e descrição de uma terra de selvagens, nus e cruéis comedores de seres humanos, situada no novo mundo da América”, também conhecido como “Duas viagens ao Brasil”. Nelson Rodrigues dizia que, “sem sorte, não se come nem um Chicabon”. Muito menos, um mercenário aventureiro, sobrevivente de dois naufrágios e de um cativeiro de índios canibais, se tornaria um dos maiores “brasilianistas” do século 16 e viraria nome de rua no bairro de Botafogo, onde jamais esteve.

Antonio Augusto Brito