Rema, rema, rema, remador…

Rema, rema, rema, remador…

Entre os últimos anos do século 19 e a década de 1920, não havia esporte mais popular no país do que o remo. E a Enseada de Botafogo era o cenário da imensa maioria das regatas disputadas no Rio de Janeiro, que atraíam multidões.

O imperador Dom Pedro II chegou a assistir a algumas disputas. Indiretamente, ele fora responsável por criar as condições para a popularização do esporte, ao adotar políticas públicas que melhoraram as condições de higiene da cidade, como a redução do despejo de excrementos no mar. Por outro lado, médicos do Império passaram a prescrever banhos de mar como terapia para diversos males, a exemplo do que se fazia na Europa.

Os índios já sabiam disso havia séculos.

Se os banhos de mar eram tudo de bom, era preciso aprender a nadar. E também eram necessários barcos para transportar os banhistas de uma praia a outra ou, simplesmente, para passear e apreciar a vista da praia a partir do mar. Dali a criarem competições entre os remadores, era apenas uma questão de tempo.

Os índios também já sabiam disso havia séculos. E provavelmente dariam gargalhadas dos rituais que envolviam os banhos de mar, sobretudo no caso das mulheres. O banho devia ser tomado antes das 7 horas da manhã, porque, depois desse horário, não era considerado hábito de uma moça de família. A roupa também devia obedecer a critérios bastante rígidos. Em nenhuma hipótese, as linhas do corpo feminino podiam aparecer. Por isso, as calças das mulheres eram largas, de tecido grosso, e a barra alcançava o tornozelo. Os blusões, também largos, eram ornamentados com golas generosas, no estilo marinheiro, que ajudavam a esconder o colo e os seios. A cor da roupa, para evitar transparências, era sempre o azul-escuro.

A primeira corrida de canoas de que se tem registro no Rio de Janeiro foi realizada em 1846. Cabocla foi o barco vencedor em uma disputa com o Lambe-água, e sua “guarnição foi carregada em triunfo pela mocidade alegre e festiva” (Jornal do Commercio). Outro momento histórico foi a “Regata da Abolição”, realizada no dia 13 de maio de 1888, na Enseada de Botafogo, com a participação das guarnições do Colégio Militar e da Escola Naval.

Mas, oficialmente, a primeira regata no Rio de Janeiro só foi realizada no dia 5 de junho de 1898, já no regime republicano, quando o esporte se consolidou. Havia então uma ânsia por modernidade: o mar deixou de ter somente fins terapêuticos; moças podiam frequentar a praia durante o dia, e homens podiam exibir seus músculos sem serem incomodados pela polícia. Havia uma valorização de corpos bem trabalhados como sinal de saúde, em oposição ao tipo esquálido, intelectual, dos tempos do Império.

No auge do esporte, entre 1898 e 1928, muitos clubes disputavam as regatas no mar: Botafogo e Guanabara (ambos com sede na Enseada de Botafogo); Boqueirão do Passeio, Flamengo, Internacional, Santa Luzia, São Cristóvão, Vasco da Gama, Icaraí e Gragoatá.

Pavilhão de Regatas na Praia de Botafogo

Em 1905, o presidente Rodrigues Alves inaugurou, na Enseada de Botafogo, o Pavilhão de Regatas, uma espécie de “Maracanã do remo”. Era uma grande estrutura metálica importada da França. Nele se acomodava o público pagante das regatas. Além dos mirantes, havia restaurante, salão de chá, bar e música ao vivo, com eventos noturnos em dias sem regatas. Junto ao pavilhão, ficavam embarcações para aluguel. O pavilhão funcionou até 1928, quando foi desmontado em definitivo.

Fim do Morro do Castelo abala o remo

A demolição do Morro do Castelo – na gestão do prefeito do Distrito Federal Carlos Sampaio (1920-1922) – deu início ao processo de aterramento de enormes trechos da orla marítima do Rio de Janeiro, fazendo desaparecer praias – onde antes ficavam alguns clubes de remo –, como a de Santa Luzia, do Boqueirão, de São Cristóvão e a Ilha das Moças. Boa parte dos clubes que perderam suas sedes não conseguiu se reerguer e acabou.

Os desmontes do Morro do Castelo e do Pavilhão de Botafogo acabaram por abalar, fortemente, o remo. O esporte elitizou-se com a transferência das regatas para a área nobre da Lagoa Rodrigo de Freitas, de águas mais limpas e ventos mais calmos, mas também de acesso mais difícil ao público.

Ao mesmo tempo, o futebol crescia em popularidade e já era o esporte das grandes massas, fácil de jogar em qualquer lugar com uma simples bola de meia.

Da antiga paixão pelo remo, restou o amor do carioca pelo banho de mar, que há muito tempo faz parte da cultura da cidade. O Rio é do verão, da praia e de suas diversas tribos. Os índios já sabiam disso havia séculos.

Antonio Augusto Brito