Por que aquele canto da Praia de Botafogo é chamado de Mourisco?

Por que aquele canto da Praia de Botafogo é chamado de Mourisco?

Você pode não acreditar, mas houve uma época no Brasil em que governos gastavam dinheiro com obras suntuosas, sem saber o que fazer com elas depois de prontas; uma época em que prevaleciam os interesses de políticos e de empreiteiros corruptos.

Ironias à parte, a reflexão sobre esse mal crônico me veio ao ler os créditos finais do documentário “Crônica da demolição”, de Eduardo Ades, em exibição no Estação Net Rio. O filme conta a história do Palácio Monroe, antigo prédio do Senado Federal na Cinelândia, que foi demolido supostamente para dar passagem às obras do metrô.

Na saída do cinema, fomos caminhando até a praia e nos deparamos com aquela monstruosidade chamada de Centro Empresarial Mourisco*, um gigante espelhado que enfeia a praia de Botafogo, considerado o terceiro prédio mais feio do Rio numa enquete feita entre arquitetos cariocas. Um pouco mais à frente, avistamos o Mourisco Mar Botafogo, sede aquática do Botafogo de Futebol e Regatas, outro gigante de cimento que se encarrega de prejudicar a vista da baía de Guanabara.

Além do nome “Mourisco” e da localização, as duas construções nada têm em comum com o Pavilhão Mourisco, projeto do arquiteto Alfredo Burnier, inaugurado em 1906 pelo prefeito Pereira Passos.

Inspirado na arquitetura árabe, o Mourisco era coberto por cinco cúpulas douradas. Duas escadas de mármore davam acesso às varandas do primeiro pavimento. Nas colunas ao lado das entradas e no teto decorado, liam-se inscrições árabes. A ideia original era de que o pavilhão fosse uma casa de espetáculos musicais, mas ele foi inaugurado como café e restaurante.

Biblioteca infantil

Na década de 1930 — por iniciativa do educador Anísio Teixeira, então ministro de Getúlio Vargas —, o endereço passou a abrigar uma biblioteca infantil, sob a coordenação da poetisa Cecília Meirelles. Lá, havia salão de leitura, um setor de “manualidades” — modelagem, pintura, desenho — e um espaço lúdico com brinquedos e jogos. Toda quinta-feira, a biblioteca oferecia sessão de cinema com filmes para crianças.

A iniciativa foi tão bem sucedida que inspirou, mais tarde, a criação de seções infantis em bibliotecas públicas e de bibliotecas infantis em todo o país. Apesar do sucesso, a biblioteca infantil do Mourisco durou apenas quatro anos, sucumbindo a disputas políticas.

O Pavilhão Mourisco foi, então, transformado em posto de coleta de impostos. Teve essa função até ser demolido em 1952, em nome do progresso e da melhoria da engenharia de tráfego na cidade.

Desaparecido o pavilhão, aquele pedacinho da Praia de Botafogo continuou sendo conhecido como Mourisco. Um pedacinho mais embrutecido e menos inspirador, sem a poesia de outras épocas.

“Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei.
Não sei se fico ou passo.”

(trecho de “Motivo”, poema de Cecília Meirelles)

*O Centro Empresarial Mourisco surgiu a partir de uma negociação entre o clube Botafogo de Futebol e Regatas e a Companhia Vale do Rio Doce. Em 1977, o clube vendeu sua sede social na rua General Severiano para a empresa, que planejava um grande empreendimento no local. Limitações de gabarito, porém, inviabilizaram o projeto, criando um impasse entre a Vale e o Botafogo. Surgiu, então, a ideia de trocar, na negociação, a sede social pela de esportes olímpicos, que ficava no Mourisco e já enfrentava problemas legais referentes à sua ocupação. Para acabar com o impasse, a Câmara Municipal do Rio interveio, aprovando a construção no local.

Antonio Augusto Brito