Esculacha não!
No meio da chamada bandidagem a palavra esculacho, em nossos tempos, passou a vigorar de maneira curiosa – e em ocasiões bastante específicas.
Refiro-me, aqui, à bandidagem sem colarinho branco. A que circula por entre periferias e favelas das cidades. Ou pelo cotidiano dos presídios. Formada de pés-de-chinelo promiscuídos com homens fardados e policializados. Todos, claro, armados fortemente. E, como entre eles vigora sempre um contexto de macabro acordo de cavalheiros do crime, não esculachar significa, dentre várias tetras: prender mas não publicar, proteger ao prender, prender sem bater, matar sem torturar.
Ou não atirar de escopeta na cara, como naquela clássica cena de Tropa de elite. Símbolo máximo de esculacho.
Contudo, não é de todo incomum ouvir também de impolutos togados “… data venia, que V. Exa. não me esculache mais neste plenário!”.
Por este e por tantos outros motivos é que, às gerações futuras, a história recente de nossa república deverá soar – e sempre ser lembrada – como grande esculacho.
Esculacho oficial, no sentido etimológico de agressão, desmoralização, mas – e sobretudo – o esculacho do jargão da bandidagem lumpen, a mesma que, neste exato momento, usa colarinho embranquecido. E ocupa os diversos graus do poder.
Neste cenário adverso, vale a pena recorrer ao ambiente de Viva o povo brasileiro, prosa na qual o baiano João Ubaldo Ribeiro ironiza, escracha e esculacha o destino de um povo que, apenas no título – contrariamente ao recheio do texto – faz por exaltar.
Na intenção de uma reconstrução histórica do que seria a personalidade do brasileiro, seu modo de ação, suas virtudes e defeitos, sua identidade, enfim, o romance viaja ao reencontro de outros povos, dos quais somos diretamente herdeiros: holandeses, portugueses, índios, espanhóis e africanos diversos.
De onde advém nossa miscigenação?, a falsa cordialidade entre as raças?, o jeito devasso e hipócrita?. A radical divisão entre casa-grande e senzala e o total desprezo de nossas elites pela categoria povo – origem inconteste das abomináveis milícias?.
Dentro do clima de escracho-exaltação de Viva o povo brasileiro, então, a ironia de Ubaldo nos apresenta o fidalgo Bonifácio Odulfo, tipo que vivia a repetir: “como ter refinamento no Brasil. No Brasil, não vale a pena nem ser rico (…)”, e que, depois de ter desfrutado das mais requintadas mordomias (quintas, palacetes, mansões, sobrados), é repatriado a contragosto. Dando início ao seu esculacho tropical.
E qual o bairro onde pensou poder reconstruir – sempre com o habitual desdém das elites pelas coisas locais – algo do glamour de eras passadas?:
Diziam que no Norte fazia calor, mas calor como o do Rio de Janeiro, meu Deus do céu! (…) magnífico o solar que Bonifácio Odulfo comprou no Caminho Novo de Botafogo, em terreno muito amplo, com cavalariças, jardim, parque e um lago com barquinhos, e estátuas de nereidas e tritões.