Sorriso negro de Botafogo
Ela veio de lá pequenininha.
Veio de Botafogo, mais precisamente da rua Voluntários da Pátria, onde nasceu no dia 13 de abril de 1922 e passou os primeiros anos da infância.
Yvonne da Silva Lara foi fruto de um amor de carnaval. Os pais dela, João da Silva Lara e Emerentina Bento da Silva, conheceram-se num desfile do rancho Ameno Resedá. Ele tocava violão de sete cordas, desfilava pelo Bloco dos Africanos e também se apresentava no Resedá; ela era cantora dos ranchos rivais Resedá e Flor do Abacate.
Ó, padrinho, não se zangue
Que eu nasci no samba
Não posso parar
O casal e a primeira filha viviam em uma casa bem modesta. Como viver da música não era uma possibilidade, Emerentina costurava e lavava roupa para fora, enquanto João era mecânico de bicicletas e fazia outros bicos.
A menina Yvonne passava o dia brincando na rua e cantando cantigas de roda. A Voluntários da Pátria era, então, uma rua tranquila, com 132 casas como a da família Lara, 50 sobrados, 152 prédios de dois andares e apenas 22 edifícios de três pavimentos. O bairro, assim como hoje, era bem arborizado e, mais do que hoje, podiam-se ouvir bem-te-vis, coleiros, periquitos, canários e tiês.
Passarinho estimado
Que me deu inspiração
Dos meus tempos de criança
Guardei na lembrança esta recordação
Todos os dias, quando o sol começava a baixar, Yvonne sentava na soleira da porta para esperar pela chegada do pai. Assim que avistava João – ela o chamava pelo nome –, a menina corria para abraçá-lo. Em casa – não porque alguém a houvesse ensinado –, corria para apanhar os chinelos dele. Por mais que estivesse com fome, ela só jantava quando o pai chegava. E os dois iniciavam animada conversa sobre o que cada um havia feito o dia inteiro.
No dia 30 de setembro de 1924, aconteceu uma tragédia. Em um de seus bicos – de ajudante de motorista de caminhão –, João Lara desceu para colocar calços nas rodas do veículo estacionado em uma ladeira. O caminhão perdeu o freio e o imprensou contra uma parede. Morria João aos 29 anos de idade. Emerentina morreria nove anos mais tarde.
Passaram-se muitos anos até que Yvonne – já consagrada como Dona Ivone Lara, a Grande Dama do Samba – retornasse ao bairro para uma apresentação única no Canecão, no dia 30 de agosto de 2005. Naquela noite, Dona Ivone cantou vários sucessos, ladeada pelas cantoras Alcione, Maria Bethânia e Ana Carolina. O show, beneficente, foi em favor da Casa das Palmeiras, instituição voltada para a reabilitação mental por meio de atividades expressivas, como a pintura e a música. A Casa das Palmeiras fica na rua Sorocaba 800 e foi criada pela Dra. Nise da Silveira, médica revolucionária com quem Dona Ivone Lara trabalhou por vários anos, como enfermeira e assistente social, antes de se aposentar e passar a dedicar sua vida a compor e a interpretar alguns dos mais belos sambas da história.Saudade amor, que saudade…