Estrelas

Estrelas

Há atores que escrevem. Assim como há autores que atuam.

Aliás, o primeiríssimo ator da história do teatro ocidental – o poeta grego Téspis – representava, inclusive, papéis simultâneos em suas próprias peças.

Não era incomum, portanto, os tragediógrafos gregos viverem o que escreviam.

Foi apenas a partir de Sófocles – autor da clássica tragédia Édipo Rei – que se passaria a desvincular as funções autor/ator.

Na verdade, com a decadência dos valores clássicos e a apropriação da cultura grega pelo império romano, toda a arte dramática perderia força, e o público passaria, então, a dar preferência a jogos violentos de competição – ou a espetáculos circenses.

Era a cultura do “pão e circo”.

Com a destruição ou o fechamento dos teatros da Antiguidade, surgem, na cultura medieval, os atores ambulantes: são os trovadores e os menestréis.

Apenas no Renascimento, o teatro e, consequentemente, os atores começariam a renascer, dando início à chamada Commedia dell’Arte.

Shakespeare e García Lorca – cada um a seu tempo –, além de grandes dramaturgos, foram também atores e empresários do teatro. Muito embora tenham se consagrado mesmo na escrita.

Entre nós, Miguel Falabella é um desses atores que é também autor. De teatro e de ficção.

O seu Vivendo em voz alta é repleto de nostalgias de uma época áurea em que vivia por Botafogo cercado de futuras estrelas.

Neste relato – quase memórias – há tristeza e glamour, vida e desesperança:

Nós morávamos num prédio antigo, encardido, numa travessa da rua da Passagem, em Botafogo, a travessa Pepe. Não éramos muitos, na verdade eram só quatro apartamentos e um santo pintado sobre um losango de azulejos, na fachada…

Afinal, ser ator – desde tempos imemoriais – é dar-se ao direito de viver várias vidas, quer seja na alegria, quer seja na tristeza; é ser o bufão que “aceita a torta na cara, cai da corda bamba e não para, se abaixa e rasga a calça: desde que faça rir”.

A voz de Falabella em Vivendo em voz alta reivindica uma infinidade de estrelas: Claudio Gaia, dos Dzi Croquettes, Vicente Pereira, o criador do besteirol, Carlos Augusto Strazzer,

Guilherme Karam, às vezes, como quem não quer nada, aparecia com umas compras e umas delicadezas para ajudar na dureza dos tempos. Mas olhávamos para o futuro com uma alegria surpreendente. Eram assim aqueles dias.

Atores. Bufões. Santidades que nos fizeram rir. Às vezes, até chorar. E, assim como vieram para brilhar e alegrar nossos dias, se foram. Numa nebulosa:

Eu vinha na direção de Botafogo e, bem na curva, logo depois da Santa Margarida Maria (eu me lembro que pensava em quem teria sido a santa, pois gosto da história dos santos e de suas abnegações, gosto dos olhares febris e das transcendências…)

Falabella melancolicamente lembra, quase em voz alta – e com lágrimas nos olhos –, da repentina cadência das estrelas:

(…) eu parti para Copacabana, Vicente se foi, Carlos Augusto Strazzer se foi, Claudio Gaia se foi (…), e aqueles dias, aquelas tardes, aquelas noites perfumadas e risonhas transformaram-se em neblina, assim, num piscar de olhos (…)

Lucio Valentim