Verdugos

Verdugos

Há assassinos que são torturadores contumazes. E vice-versa.

Para essa espécie de homens (sempre no masculino, pois não há registros de mulheres agentes da tortura), a morte do outro só faz sentido se acompanhada por sádicos requintes de crueldade.

Coisa de testosterona, talvez.

Diz que promovem a dor mediante largos sorrisos. E que são capazes de mudar da placidez à fúria, da polidez à barbárie em fração de segundos. Quão mais arrebentada e subjugada a vítima – física e psiquicamente –, mais o psicopata goza, e sorri.

Filinto Müller foi um desses.

Torturador de estimação da ditadura Vargas, Müller fora também tenente e partícipe do famoso levante do forte de Copacabana. Pertencera à famosa Coluna, como amigo pessoal de Prestes – bem antes de ser chefe da polícia política de Getúlio. E, talvez por isso mesmo, fora o maior carrasco do líder comunista.

Em sua biografia consta, entre centenas de outras atrocidades, o envio de uma grávida de 7 meses à execução nas câmeras de gás de Hitler: Olga Benário Prestes.

A mando do próprio Vargas.

A filha dessa grávida, cujo nome é Anita Leocádia Prestes, sobrevivera para contar essa trágica história. Sempre na terceira pessoa:

A polícia (…) bateu à porta da casa onde a família morava (Maria, seis filhos, Anita e uma das irmãs de Prestes, Lígia) na Rua 19 de Fevereiro, em Botafogo. As duas, juntas, com dedo em riste, impediram que os soldados entrassem.

Maria, que surgira na vida de Prestes depois da morte de Olga, ficou responsável por seu acervo:

Em Botafogo, outro apartamento guarda igualmente muitas preciosidades do baú de Prestes, mas ali a poltrona é para poucos. A primogênita Anita Leocádia (…), filha da união do Velho com a comunista alemã Olga Benário, é rigorosa na seleção dos interlocutores.

Claro, a segunda mulher e a primeira filha de Prestes bateram sempre de frente. Salvo no episódio da 19 de Fevereiro, no qual, literalmente peitaram a truculência das tropas de Müller:

Depois do episódio da Rua 19 de Fevereiro, quando Maria e Anita enfrentaram juntas a polícia, as duas jamais voltaram a dividir o mesmo teto. (…) Mais tarde, com o agravamento do regime militar e o início da Guerra Suja, ambas seguiram para o exílio em Moscou. Mas, lá, em tetos distintos.

Olga Benário já havia morrido num campo de extermínio nazista, no ano de 1942. Contudo, a primeira filha, Anita – viva até hoje –, é quem destila toda essa história, no seu Olga Benário – uma comunista nos arquivos da Gestapo.

Já o carrasco Filinto morreria apenas três décadas depois, em famoso acidente aéreo. Curiosamente, o mesmo que matara o cantor Agostinho dos Santos, em Paris.

O verdugo, antes de baixar aos infernos, ainda tentaria puxar o pé de mais alguém.

Lucio Valentim