Uma árvore por testemunha
A árvore que enfeita a entrada do edifício nº 64 da rua Marquês de Olinda é um belo exemplar de pau-ferro, espécie ameaçada de extinção na Mata Atlântica, cuja madeira é tão densa e dura que solta faíscas quando golpeada por machado. No passado, o pau-ferro foi usado pelos índios para fazer tacapes, daí seu outro nome: “jucá” – do tupi yu’ká, “matar” –, nada a ver com aquele senador de Roraima.
O pau-ferro da Marquês de Olinda foi poupado pelo escritório LSFG Arquitetos, que projetou o caminho da entrada do edifício de forma que a árvore fosse protegida e, ao mesmo tempo, vista por todos. Em 1994, com apoio dos moradores, ela foi tombada e ficou imune ao corte por meio de decreto do então prefeito Cesar Maia.
Muita história envolve o pau-ferro centenário. Sabemos, por exemplo, a data de nascimento dele: 5 de julho de 1867. A árvore foi plantada pelo comendador Antônio Joaquim Soares Ribeiro – um rico empresário de família influente da região de Maricá – em homenagem às netas, segundo o Guia de bens tombados da Prefeitura, embora o decreto de tombamento aponte o ano de 1864, sem precisar dia e mês. As netas do comendador – Maria Augusta Magalhães Taques, Beatriz Magalhães Taques e Evelina Torres Soares Ribeiro – nasceram, respectivamente, em 19 de abril de 1863, 5 de junho de 1864 e 1º de dezembro de 1865.
Fiquemos com a data de 1867, que não deixa nenhuma neta de fora da homenagem, sobretudo Evelina, a mais relevante do ponto de vista da história do bairro. Evelina foi mulher do político, jornalista e diplomata Joaquim Nabuco, famoso por liderar a campanha abolicionista no Brasil, apesar de ter sido defensor de outras causas importantes, como a da liberdade religiosa.
Antes de se casar com Evelina, Joaquim Nabuco teve uma vida mundana intensa. “Quincas, o Belo”, como era conhecido nas rodas sociais, viveu uma grande paixão com Eufrásia Teixeira Leite, rica e bela herdeira de família de barões da região de Vassouras, que conheceu numa viagem de navio à Europa. Eufrásia, mulher de negócios que nunca se casou, era a favor da emancipação feminina. Nabuco era avançado para a época, mas não a esse ponto. O romance durou de 1873 a 1887 e terminou com uma carta de despedida enviada por Eufrásia.
Em abril de 1889, aos 40 anos, Nabuco casou-se com Evelina, uma moça de 23 anos que conhecera cinco meses antes em uma festa. Órfã da mãe, que morreu durante o seu parto, Evelina fora educada no colégio Nossa Senhora Imaculada da Conceição, em Botafogo. Muito tímida e católica fervorosa, ela tinha o rosto bonito, só que era baixa para os padrões da elite, além de arrastar de uma das pernas. Mas era de família de posses, o que deve ter amolecido o coração de Nabuco.
Com o dote, Joaquim Nabuco comprou um sobrado perto da casa de sua mãe, na Ilha de Paquetá, onde passou a viver uma vida sossegada e pacata com a esposa. Passava os dias entre leituras e conversas com alguns poucos visitantes.
Após a proclamação da República, pressentindo as dificuldades – ele era monarquista ferrenho –, Nabuco viajou sozinho para o Uruguai e a Argentina. Impressionado com os lucros fabulosos da bolsa de Buenos Aires, lá investiu todas as suas economias, além do que sobrara do dote de sua mulher. Meio ano depois, havia perdido tudo. Se isso ocorresse nos dias de hoje, é bem possível que a esposa pedisse ao avô que cortasse um pedaço daquele pau-ferro e lhe preparasse um tacape. Mas Evelina era a esposa perfeita e jamais recriminou o marido.
Desempregado, Nabuco vendeu a casa de Paquetá e partiu com Evelina para a Europa, em busca de oportunidades profissionais. Jornalista, ele trabalhou como correspondente político, mas, após quase dois anos, retornou ao Brasil com a esposa e seus dois filhos. No Rio de Janeiro, continuava sem emprego. A família foi salva pela morte do avô, que deixou para a neta uma pequena quantia, além de um sobrado na rua Marquês de Olinda, onde a família passou a morar modestamente. Nabuco vivia de traduções e publicação de artigos e livros.
Em 1896, Joaquim Nabuco fez o discurso inaugural da Academia Brasileira de Letras, que ajudou a fundar junto com o amigo Machado de Assis. Ele voltou à carreira diplomática dez anos depois, a pedido do Governo, para resolver uma questão de limites com a Guiana Inglesa. E nunca mais abandonou a diplomacia até morrer no dia 17 de janeiro de 1910, em Washington, como embaixador do Brasil nos EUA. Evelina morreu no dia 11 de janeiro de 1948, no Rio de Janeiro, cercada de seus cinco filhos. Suas primas Maria Augusta Magalhães Taques e Beatriz Magalhães Taques morreram antes, em 1875 e em 1943.
Quanto ao pau-ferro plantado em homenagem às netas, ele permanece impávido, diariamente cumprimentando os moradores que passam por ele, talvez sem se darem conta de sua idade e do tanto de história que ele já testemunhou.