Ziriguidum em Botafogo
“Monsueto já morou em Botafogo, num cortiço da rua Sorocaba 518”, avisa Mauro Duarte Filho, de uma das mesas do bar da Adelina, dando sua contribuição para a crônica desta semana. Afinal, quem sou eu para duvidar do filho de um dos maiores sambistas do bairro, que virou até nome de praça?
Para quem nunca ouviu falar em Monsueto Campos de Menezes, vou resumir: ele foi sambista, cantor, compositor, instrumentista, ator cômico, showman e pintor, que atualmente seria considerado um verdadeiro artista multimídia. Monsueto foi um gênio criativo que nasceu na extinta Favela do Pinto, no Leblon – onde hoje fica o conjunto de prédios conhecido como “Selva de Pedra”.
Como compositor, Monsueto emplacou vários sucessos na década de 1950. O primeiro deles, em 1952, foi Me deixa em paz, em parceria com Airton Amorim:
Se você não me queria
Não devia me procurar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar
Evitar a dor
É impossível
É muito mais
Você arruinou a minha vida
Me deixa em paz
A música foi regravada por Milton Nascimento e Alaíde Costa, no álbum Clube da esquina; e pelo grupo MPB-4, no álbum Antologia.
Em 1954, Monsueto voltou ao topo das paradas musicais com A fonte secou, parceria com Raul Moreno e Marcléo:
Eu não sou água
Pra me tratares assim
Só na hora da sede
É que procuras por mim
A fonte secou
Quero dizer que entre nós
Tudo acabou
No ano seguinte, seria a vez de Mora na filosofia, de Monsueto com Arnaldo Passos:
Eu vou te dar a decisão
Botei na balança
E você não pesou
Botei na peneira
E você não passou
Mora na filosofia
Pra que rimar amor e dor
Mora na filosofia foi regravada várias vezes, uma delas por Caetano Veloso, no álbum Transa.
Em 1956, mais um hit – O lamento da lavadeira, parceria com Nilo Chagas e João Violão – com um quê de crítica social:
Sabão, um pedacinho assim…
Água, um pinguinho assim…
O tanque, um tanquinho assim…
A roupa um tantão assim…
Para lavar a roupa da minha Sinhá (bis)
Para lavar a roupa da minha Sinhá (bis)
Monsueto era uma celebridade. Atuava em espetáculos musicais que corriam mundo.
Também era presença constante na TV Rio, entre os anos 1950 e 1960, no papel do popular “Comandante”. Ele popularizou expressões como “castiga”, “diz”, “ziriguidum”, “vou botar pra jambrar” e “mora”.
No cinema, Monsueto trabalhou em 14 filmes – 11 brasileiros, três argentinos e um italiano.
No fim da década de 1960, Monsueto passou a se dedicar à pintura primitivista, participando de exposições e recebendo prêmios. Até o poeta chileno Pablo Neruda comprou um de seus quadros.
Um dos últimos trabalhos de Monsueto foi uma participação na gravação da música Tonga da mironga do kabuletê, em 1970, da dupla Toquinho e Vinicius de Morais. Eram tempos de censura, e Vinicius teve a ideia de fazer um desabafo “xingando em nagô” e, assim, quem sabe, passar pelo crivo dos censores. Para confundir ainda mais, convidaram Monsueto para interpretar um fanho, que dizia coisas ininteligíveis entre uma estrofe e outra. A música foi aprovada. Toquinho contou, mais tarde, que foi difícil terminar a gravação. “Monsueto era uma pessoa muito engraçada, discursava e não dizia absolutamente nada, falando coisas como se estivesse protestando. A gente não conseguia gravar porque todo mundo ria muito”.
Monsueto Menezes morreu em 1973, aos 49 anos, vítima de câncer no fígado. Sua obra, no entanto, permaneceu e é revisitada por grandes nomes do samba, como Martinho da Vila e Paulinho da Viola, que, aliás, também morou em Botafogo.
Viva, Monsueto! E vamos de ziriguidum, que o carnaval já está chegando.