Ebó em Bota

Ebó em Bota

Macumba e Zona Sul, aparentemente, não combinam.

Pouca credibilidade teria um terreiro em cobertura na Vieira Souto ou na católica Nossa Senhora de Copacabana. Porém, muito embora os verdadeiros terreiros por ali não se criem – e o próprio nome do templo nos sugere terra, pé-no-chão –, os despachos nas esquinas e os descarregos no mar são bastante comuns nesta região da cidade.

Na literatura carioca, há aquela clássica cena da cigana do morro do Castelo, relatada pelo Bruxo do Cosme Velho, mas isso fica para uma outra ocasião.

O mar acaba sendo atração maior para os vários autores mineiros que, sem litoral de onde extrair estórias, vêm ao Rio se extasiar. E com Paulo Mendes Campos não foi diferente. Logo, numa bela manhã de cooper:

Sete horas da manhã quando o guarda-vidas Alexandrino, moreno bem brasileiro, chegou à praia de Botafogo. (…) Manhã de vento, mais para fria e nebulosa, anunciando pouco serviço. Com uma vareta o guarda-vidas começou a desenhar na areia um excelente elefante (…)

Assim tem início a crônica O balé do pato, em que Mendes Campos relata a cena de um inusitado ebó em plena Enseada de Botafogo:

(…) erguendo a cabeça, viu que entrara na praia uma linda senhora loura. Até aí tudo normal. Mas acontecia que a bonita senhora chorava a cântaros, tocando o coração do bom Alexandrino (…)

Ocorre é que a bela senhora – que era macumbeira – falava em francês e trazia embaixo do braço um pato preto que, súbito, lançou ao mar:

Mãe-de-santo mandou jogar pato no mar – disse a mulher, em transe, entre sotaques e soluços. Sim. Num terreiro lá da Baixada, mãe-de-santo mandara que a gringa lançasse um pato preto justo na praia de Botafogo, às sete em ponto duma sexta-feira; se pato nadasse para o mar, marido voltava; se fugisse para a terra, au revoir marido.

Na sequência da cena, a dona choramingava e bradava repetidamente:

Le canard a nagé vers la plage! Le canard a nagé vers la plage! *

O francês de Alexandrino não andava em dia, mas – malandro que era – entendera o drama e idealizara de pronto um plano:

— (…) acontece, madame, que nos casos como esse o pato não pode ser preto. Tem de ser branco.

— Senhor compreende macumba?

— Pai-de-Santo, madame.

A francesinha logo parou de chorar e, indagando onde poderia comprar um pato àquela hora, partiu com o moreno ali pro início da São Clemente, onde ficava um aviário.

Um quarto de hora depois, a moça voltava com um pato, branco e soberbo.

Bem, qual a direção escolhida pelo pato branco?, não conto, não conto, não conto!

Leiam.

Mas o ebó do moreno Alexandrino – isso, sim – mudou o rumo da gringa!

*Le canard a nagé vers la plage! = o pato nadou em direção à praia!

Lucio Valentim