O encontro do professor com o militar
Se, no segundo turno das eleições, está difícil promover um encontro entre o professor Fernando Haddad e o militar da reserva Jair Bolsonaro, pelo menos aqui, em Botafogo, mestre e militar se encontram sem problemas. Não estou falando dos dois candidatos, mas, sim, das ruas Professor Álvaro Rodrigues e Mena Barreto; a primeira em homenagem a uma das maiores sumidades da geometria descritiva na primeira metade do século 20; a segunda, continuação da primeira, em memória de um herói da Guerra do Paraguai.
Em eleições, o ponto alto costuma ser o encontro dos candidatos para debater suas propostas de governo e ajudar a escolha do eleitor. Por mais que o brasileiro diga que não gosta de política, debates eleitorais costumam ser assistidos por todos, nas casas, no trabalho e até mesmo nos bares, depois que a Lei Seca deixou de vigorar. A falta de debate faz mal à democracia. Cria muros em vez de construir pontes.
Por falar em metáforas da engenharia civil, falemos do professor Álvaro José Rodrigues. Engenheiro civil e geógrafo, formado pela Technische Hochschule de Berlim, Alemanha, ele foi mestre da Escola Nacional de Belas Artes de 1914 até 1946, quando foi transferido para a Faculdade Nacional de Arquitetura – atual Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UFRJ. Sua especialização era a geometria descritiva, ramo da geometria que representa figuras tridimensionais em um plano bidimensional e, a partir das projeções, determina distâncias, ângulos, áreas e volumes em suas verdadeiras grandezas. Se alguém tem dúvida sobre a importância dessa disciplina, apenas pense nos sofisticadíssimos programas que criam modelos tridimensionais para pesquisa de solo, de fenômenos da natureza ou para videogames e programas de realidade aumentada. Os livros didáticos “Geometria descritiva”, “Geometria Descritiva – projetividade curva”, “Perspectiva paralela” e “Desenho técnico-mecânica”, escritos – ou melhor, desenhados – pelo professor Álvaro José Rodrigues, foram fundamentais para a formação de profissionais como o arquiteto Oscar Niemeyer – um de seus alunos – e, até hoje, passados mais de 50 anos da morte do autor, são referência para estudos e teses acadêmicas.
Mena Barreto
Cruzando a rua Dezenove de Fevereiro, a Álvaro Rodrigues vira Mena Barreto, que, até 1917, era chamada de General Mena Barreto. O nome é uma homenagem a João Manuel Mena Barreto (1824-1869), herói da Guerra do Paraguai, que, em 1865, comandou o 1º Batalhão de Voluntários da Pátria no resgate dos moradores da vila de São Borja, no Rio Grande do Sul, atacada pelo exército invasor. Não à toa as ruas paralelas levam os nomes de Voluntários da Pátria e do General Polidoro, outro militar da campanha do Paraguai.
João Manuel pertencia a uma família de estancieiros da fronteira sul do Rio Grande do Sul, com forte tradição militar desde os tempos de D. João VI. Seus parentes lutaram em quase todas as guerras do Sul – Guerra Cisplatina, Revolução Farroupilha, Guerra do Prata e Guerra do Uruguai – e atingiram as mais altas patentes. Houve quem chegasse a governador da província do Rio Grande do Sul e a ministro do Império.
Ainda em 1865, João Manuel Mena Barreto participou do cerco à cidade de Uruguaiana, que havia sido capturada pelos paraguaios no início da guerra, e assumiu o comando de uma brigada estacionada em São Gabriel. Chamado à Corte, foi nomeado comandante do 1º Regimento de Guarda, posto que ocupou por pouco tempo. De volta à frente de guerra, já no posto de brigadeiro, lutou nas batalhas de Avaí e Lomas Valentinas em 1968. No ano seguinte, assumiu o comando da 1ª divisão de cavalaria e participou da tomada do forte paraguaio de Peribebuí. Durante a batalha, o militar foi atingido por um tiro e tombou morto. Entre as principais condecorações de João Manuel Mena Barreto, estão a medalha da Campanha do Estado Oriental (1851-1852) e medalha de Mérito Militar; e os títulos de cavaleiro da Imperial Ordem de Cristo (1858), cavaleiro da Ordem de São Bento de Aviz (1860), oficial da Imperial Ordem do Cruzeiro (1865) e grande dignitário da Imperial Ordem da Rosa (1869). O professor Álvaro Rodrigues e o general Mena Barreto foram, cada um em seu tempo, exemplares em seus ofícios. Sem jamais terem se encontrado em vida, professor e militar deram seus nomes a uma das vias mais importantes de Botafogo.