E o mundo inteiro ouviu Tim Maia
Foi em Botafogo, morando de favor no sofá da sala de um amigo, que Tim Maia compôs, em 1969, “Azul da cor do mar”, um de seus maiores sucessos. A música ajudou a carreira do artista a deslanchar, abrindo caminho para o lançamento, no ano seguinte, do disco “Tim Maia”, seu primeiro long-play, considerado um dos melhores discos brasileiros de todos os tempos.
Era o fim da década de 1960, e nada parecia dar certo na carreira de Tim Maia. Enquanto Roberto e Erasmo Carlos – seus ex-colegas na banda adolescente The Snakes, do bairro da Tijuca – “estouravam” na TV e no rádio, Tim mal se virava em São Paulo, onde só conseguia alguns trocados como produtor e fazendo pequenas participações em programas de rádio. Até então, só havia conseguido gravar um compacto em 1968, que trazia as músicas “Meu país” e “Sentimento”, compostas por ele.
Sem perspectivas e sem dinheiro, ele desistiu de São Paulo e veio parar em Botafogo em 1969, na casa do amigo cantor e compositor paraguaio Juan Senon Rolón – rebatizado “Fábio” pelo produtor Carlos Imperial – que ele havia conhecido dois anos antes. Em início de carreira, Fábio havia chegado, naquele ano, às paradas de sucesso, com a música “Stella”, composta por ele em parceria com Paulo Imperial, irmão de Carlos Imperial, e se apresentava em programas de TV com regularidade.
O próprio Fábio narrou esse reencontro com o amigo no livro “Até parece que foi sonho – meus 30 anos de amizade e trabalho com Tim Maia”, de Achel Tinocco:
“Havia muito que não nos encontrávamos, apesar de eu ter participado de alguns programas de televisão em São Paulo. Uma noite, bem tarde, (…) a campainha tocou no meu apartamento, já em Botafogo, na rua Real Grandeza 171.
— Abandonei São Paulo, Fabiano, disse-me sorrindo, mas nunca entendi porque daquele dia em diante ele passou a me chamar de Fabiano. Acostumei-me.
— Cansei do frio e de sofrer, vim tentar a sorte aqui. Quero gravar meu primeiro long-play, Fabiano, eu preciso de você. Você é amigo do Golias e do produtor Elton Menezes… Preciso dar um jeito de fazer o programa!…, disse-me, a certa altura da manhã.”
Como não havia quarto disponível – Fábio dividia o dois quartos com seu empresário Glauco Timóteo –, o hóspede acomodou-se no sofá da sala. Fábio conseguiu negociar algumas participações de Tim abrindo seus shows – nada muito importante –, e, por indicação de Erasmo Carlos e dos Mutantes, Tim conseguiu um bico de backing vocals na gravadora Philips.
Solidão criativa
Certa vez, Fábio e Glauco viajaram para uma turnê no Nordeste, e, como não houvesse verba para três, Tim ficou sozinho no Rio, com alguma grana para despesas básicas e com a conta da padaria, que ele religiosamente pendurava no nome do amigo. Enfim só, Tim foi logo se apossando do quarto de Fábio.
Nelson Motta, em seu livro “Vale tudo – O som e a fúria de Tim Maia” (2007), narrou o momento de inspiração do artista:
“Na parede em frente à cama havia um imenso pôster colorido de uma morena estonteante, nua contra o mar azul do Taiti. (…) Tim se sentiu mais sozinho do que nunca, pegou no violão e começou a cantar. Quando Fábio voltou da viagem, Tim ligou o gravador e disse que tinha feito uma música inspirado no pôster:
Ah, se o mundo inteiro me pudesse ouvir
tenho muito pra contar, dizer que aprendi,
que na vida a gente tem que entender,
que um nasce pra sofrer, enquanto o outro ri.
‘Carajo, mermão!’, gritou Fábio, aplaudindo “Azul da cor do mar” e abraçando Tim, “tu acabou de fazer a música da tua vida!”.
E foi mesmo! No fim daquele mesmo ano, Tim Maia entrou no estúdio para gravar seu primeiro LP, que foi lançado no ano seguinte. O álbum “Tim Maia” trazia uma mistura de MPB e soul music que agradou em cheio. Numa enquete feita pela edição brasileira da revista Rolling Stone, ele foi considerado o 25º melhor disco de todos os tempos. Além de “Azul da cor do mar”, as faixas “Primavera (Vai chuva)” e “Eu amo você” – do amigo Cassiano em parceria com Silvio Rochael – se tornaram clássicos. Completaram o repertório “Risos” (Fábio / Paulo Imperial), “Coroné Antônio Bento” (João do Vale / Luiz Wanderley), “Cristina” e “Cristina nº 2” (Carlos Imperial / Tim Maia), “Tributo a Booker Pittman” (Cláudio Roditi), “Você fingiu” (Cassiano), “Padre Cícero” (Cassiano / Tim Maia), “Jurema” e “Flamengo” (Tim Maia).
Velho camarada
Dez anos depois, Tim Maia teve a chance de retribuir a ajuda inicial do amigo. Meio em baixa, Fábio tentava recomeçar a carreira. Juntos, eles gravaram, nos estúdios da EMI-Odeon em Botafogo, “Até parece que foi sonho”, de Fábio. Foi um sucesso quase instantâneo. Meses mais tarde, os dois – e mais os amigos Cassiano e Hyldon – se reencontraram para gravar “Velho camarada”, de Cassiano e Hyldon. Fábio cantou as duas primeiras estrofes, Cassiano participou dos vocais com um coral e Hyldon emendou, na música, um trecho de sua “Na rua, na chuva, na fazenda”. Novo sucesso nas rádios, que animou a gravadora EMI-Odeon a propor um contrato com Tim Maia para ele gravar três LPs. A coisa não deu muito certo, mas isso é outra história. O que ficou foi essa bela amizade, que praticamente começou e se eternizou em Botafogo.
Fontes de pesquisa:
MOTTA, NELSON – Vale Tudo – o som e a fúria de Tim Maia – Editora Objetiva (2007)
TINOCCO, ACHEL / FÁBIO – Até parece que foi sonho – meus 30 anos de amizade e trabalho com Tim Maia – Editora Matrix (2007)