O alienígena
Difícil não se encantar pelo Rio de janeiro – sobretudo à primeira vista –, ainda mais se a entrada for pelo mar. Assim tem acontecido com todo estrangeiro que por aqui aporta, seja navegante, pirata ou aventureiro, desde a primeira colonização.
Situado à beira de grande enseada, o Rio sempre tivera os morros como cenário; e, para sua fundação como verdadeira fortaleza – bem sabiam os exploradores –, a cidade de São Sebastião belicamente deveria ter início numa encosta.
Por ser cidade fundada e refundada em morros – Cara de Cão e Castelo, respectivamente –, as montanhas do Rio, dali pra frente, jamais deixariam de ser atrativo ao olhar estrangeiro.
Curioso saber que o nosso mais importante cronista dos primórdios da colonização, o francês Jean de Lery, devido à semelhança da enseada – que ainda não era de Botafogo – com um lago, nomearia o bairro de Le Lac.
Assim, partindo do precedente do navegante francês, quase todos que aqui aportaram ao longo dos séculos veriam a cidade e seus ares com bons olhos.
No entanto, o Rio não é uma unanimidade. O antropólogo Claude Lévy-Strauss, por exemplo, odiou a nossa cidade.
Na própria introdução do texto que lhe conferira notoriedade internacional – Tristes trópicos –, em cujo título já estava contida certa intenção pejorativa de apontar as mazelas tropicais, o snob cientista francês já advertia:
O Brasil e a América do Sul não significavam muito para mim.
Assim, todo o arsenal etnocêntrico de Levy-Strauss seria utilizado para definir sua impressão negativa da cidade – O Rio é mordido por sua baía até o coração – e de sua gente. Com sua francesice, o antropólogo exportaria para o mundo o recorrente estereótipo do miserável-preto-limpinho-e-feliz:
Os miseráveis viviam pendurados nos morros, nas favelas em que uma população de pretos, vestidos de trapos bem limpos, inventava ao violão essas melodias alegres (…)
Sempre apontando os defeitos naturais, tendo inclusive a pachorra de – na contramão de tudo e todos – comparar a baía de Guanabara a uma ‘boca banguela’,
O Pão de Açúcar, o Corcovado, todos esses pontos tão enaltecidos lembram ao viajante que penetra na baía cacos perdidos nos quatro cantos de uma boca desdentada
o antropólogo segue com ironia e desprezo na descrição desqualificada de nossos mais exuberantes monumentos e avenidas. Como nessa breve caminhada
Desde que nos metamos por uma dessas pistas urbanas, o aspecto se torna rapidamente suburbano (…)
ou nessa passagem, em que se refere ao Corcovado:
Última recordação do Rio (…) subia-se por um funicular sumariamente estabelecido no meio dos cortes (…) refúgio de alta montanha (…) mantida por empregados atentos (…)
Porém, apenas um bairro – outrora batizado por outro francês de Le Lac – mereceria do chato e iconoclasta conterrâneo Levy-Strauss uma réstia de consideração:
Botafogo, no fim da avenida Rio Branco, é ainda a cidade de luxo.